21 de abril de 2009-04-22
Dia do Tiradente... eu estou tentando tirar o meu, de dente, que está doendo
(na Itália se diz: tirado o dente, tirada a dor!)
Hoje era para eu estar lá, no Festival... nunca cheguei... problemas de comunicação... (vamos chamá-los assim)
Eu tinha que apresentar essa palestra... sobre inclusão, educação ou sei lá o que. Enfim... assisti de longe, na internet. Quem se apresentou foram o Ripper e sua escola da Maré e o Boca de Rua. Dois projetos ótimos. Nada contra, mas eu tenho sempre minhas duvidas e questionamentos...
O Ripper falou longamente da escravidão, da favela, da marginalidade, de um monte de problemas que afetam a sociedade brasileira, sociedade que tem como seu maior representante um presidente que é “O Cara!”, que vem do Nordeste, da pobreza, cuja infância reflete-se nos velhos pretos e brancos do Glauber Rocha, ou nos atuais de Padilha com seu filme escândalo “Garapa” - criticado ou exaltado nos festivais por aí -
... Enfim, concordo que tem nessa sociedade um grande problema, que é a in/diferença entre as classes sociais, problema não somente do Brasil mas de uma grande maioria dos países nesse mundo.
Não sou ninguém para puder falar ou criticar .. sou da classe médio alta, gringa, que passa ao lado de tudo isso.
Mas... muita vezes me pergunto... as críticas da maioria são sempre as mesmas... ao poder, a polícia, a economia capitalista etc. etc. Tudo verdade, nada contra, mas quem, nos nossos países democráticos, colocou esses poderes lá? Já ouviram falar de eleições?
©ClicaMaravilha: Isso é Democracia
Para o que concerne a fotografia e os projetos sociais a elas ligados... “Devemos fazer dum jeito que a população se toque.. se toque que ela é instrumentalizada pelas mídias”. Assim eu escuto dizer muitas vezes...
Exclusão visual, inclusão digital... todos gostam de falar disso.. Porque atacamos sempre um “Governo” meio fantasma, um Estado que não tem nome nem forma, Porque falamos sempre mal nas costa de nosso inimigos e sorrimos pra ele quando está na nossa frente? Porque somos, quase sempre, meios covardes e ao mesmo tempo meios heróis? Criticamos o poder público (que é público, ou seja, somos nós mesmo), e corremos atrás dele pois precisamos do seu/nosso dinheiro para fazer algo que nós dará comida e vida confortável...
Porque criticamos a classe média que dá o celular aos seus filhos de 4 anos, mas não criticamos os “favelados” que dão um celular aos seus filhos? Acham que isso é falso? Entrem na favela pra ver... Minha "secretária" tem 3 celulares (TIM, OI, e Claro), eu só tenho um e acho que já suficiente. Meus alunos da favela chattam no Orkut diariamente e eu não entendo porra nenhuma dessas coisas (sou burra? pode ser). Porque estamos colocando na cabeça deles que isso faz parte da tal inclusão e que através disso eles irão ser mais inteligentes e capazes?
© Ana Clécia de Paiva- ClicaMaravilha
A internet e as relações virtuais podem sim ser capazes de transformar algo, de melhorar algumas coisas, mas.... sei lá.. sou de uma geração velha que tem problemas a entender uma relação que não seja física ... o virtual ainda me deixa assustada.
Eu ensino fotografia há quase 9 anos na Maravilha. Meninos e adolescentes de favela. Pouca instrução. Problemas sociais, problemas psicológicos, de relacionamento etc. etc.
Olhando as fotos por eles produzidas, fico de boca aberta. As fotos desses meninos me fascinam, me surpreendem, como surpreendem a muitos, pelos enquadramentos, pela forma de olhar, pela espontaneidade, pela ingenuidade... mas estou começando achar estranho quando falamos que essas fotos surpreendem pois os que a fizeram são meninos, gente de favela, gente que não tem - ou parece não ter- a menor educação visual.. esse é um erro nosso, dos ditos “intelectuais”, estudiosos da imagens, que nos achamos sempre ser os “Caras!”. Na verdade nós não nos damos conta que tudo que influência nosso imagético-imaginário, é o mesmo que influência a eles. Eles vêem TV, eles andam pela cidade cheia de publicidades, eles dão uma olhada - mesmo que rápida, como nós - em jornais e revistas, eles acessam a internet para baixar clipes de música da Madonna (sem saber eles conhecem a obra de La Chapelle melhor de que nós)... “Eles”, esse “povão” sem arte nem parte, que queremos educar, nos ensinam muitas coisas e nos espantam, as vezes, com a qualidade de suas obras.
© Angela Gabriela Monteiro de Oliveira - ClicaMaravilha
Mas somos sempre nós, os educadores, que vamos amostrar e falar de suas obras - que surgiram “graça a nossa dedicação” - nos festívais, nas universidades, nas entrevistas aos jornais. “Eles” aparecem poucas vezes, em geral são tímidos, não sabem falar muito bem e em geral é até melhor eles se calarem, pois pode sair algumas besteiras por aí.
Ainda bem que de nossas bocas nunca sai nada errado!
Então, como fica a tal dessa inclusão? Quem vai ser de verdade incluído? Nós ou eles?
Na verdade: quem lembra somente um nome desses "fotógrafos-aprendizes"? Todo mundo lembra do nome do projeto e dos seus representantes, mas nada desse meninos que passam por aí...
Traduzindo Augusto Pieroni, “Ler a fotografia” :
Como faz uma sub-cultura para render-se visível? Para render-se visível dum jeito “oficial”, prestigioso? Como ter acesso a comunicação visual? Simples: assumindo os “jeitos” - os fazeres (desculpem, não consigo traduzir muito bem) - culturais da cultura dominante. Ao menos de não ser um “artista”, um “intelectual” no lugar e momento certo, que tem acesso à comunicação, que consegue articular seu discurso nos modos e nos “médium” que lhe interessam, consciente que sua identidade sempre será, de alguma forma, escrava de clichês e de modelos que lhe são estranhos”. (Fim da citação)
O querido Senhor Carlos Carvalho que, no final, não me convidou a seu Festival escreve (com alguns erro de digitação... não só a única, uff!) :
“Há alguns anos, sem conseguir precisar quando mas sentido que acontecia, percebi que não podia intervir na vida das pessoas com o meu equipamento fotográfico, a minha presença, a minha cultura e a minha arrogância, mas sim tentar ser útil a elas. Antes de entrar em uma comunidade e iniciar uma documentação fotográfica me faço três perguntas básicas:
- porque fotografar essas pessoas - o que acrescento a elas com o meu trabalho?
- em que a minha fotografia e o meu trabalho vai ser útil – que tipo de auxílio vai ser possível com a minha atividade?
- existe realmente algo a ser feito nessa comunidade que possa melhorar a sua qualidade de vida – minha documentação fotográfica tem espaço nessa realização?
Se não obtver resposta para uma dessas perguntas, guardo meu equipamento e procuro apenas merecer a atenção e amizade que me forem ofertadas. Aprendi a criar meu arquivo fotográfico mental e esse exercício mental ajudou a aperfeiçoar a minha luz. Não realizo exercício estético com a vida das pessoas.
Como sabemos, fotografar significa grafar com a luz, escrever com a luz. O que não sabemos é escrever e qual linguagem utilizar para sermos honestos e coerentes com quem fotografamos e perceber como eles querem ser documentados.
E esse aprendizado é uma via de mão dupla.
Todos nós somos pontos de luz e nos movimentamos em nossas vidas emitindo a luz que sensibiliza o celulóide emulsionado que nos permitirá gravar para sempre momentos e vivências. Quanto mais buscamos entender os caminhos dessa luz social, mais refinada fica a nossa escrita, a nossa linguagem fotográfica, porque mais simples. É o que busco - encontrar a luz social que vai me permitir dialogar através de uma linguagem percebida por todos. E essa luz é conseqüência do resultado de um aprofundamento das relações pessoais. É uma luz “Freiriana”.
Este site é uma tentativa de mostrar esse exercício e de possibilitar uma ligação mais direta entre essas comunidades e suas atividades, com pessoas e organizações que tenham disponibilidade de apoiá-las política, social e financeiramente”. (Fim da citação)
© Carlos Carvalho: A imagem do indiozinho Xerente, tribo do estado de Tocantins abandonada pela Funai, é sua imagem preferida, um presente pessoal, captada em 1987.
Esse ser humano cheio de luz de varios tipos (luz pessoal, luz social, luz “freiriana”, falta só a Companhia Elétrica, mas acho ele já conseguiu esse apoio), que tenta encontrar - como todos nós - respostas à suas perguntas básicas quando inícia uma documentação fotográfica, não se pergunta a coisa mais importante:
"Estou sendo sincero 100% comigo mesmo e com os outros? Ou será que eu me faço todas essas questões porque sinto-me culpado de algo que não sei ao bem como definir?"
(Umas das causas pode ser essa foto que ele adooora e que é seu presente - a quem? -, onde é flagrado "um indiozinho ").
Todos esses blablablas meios “iluminados” e meios “melosos”, me deixam com raiva. Espero o Senhor Carlos Carvalho ter - pelo menos simbolicamente - adoptado esse "indiozinho" - que definição horrível ele deu a essa criança abandonada, com sua tribo, pela Funai.
E, meu querido Senhor Carvalho, depois de tirar essa foto - sua foto "preferida" -, o Senhor deixou o menino lá naquele mundo, abandonado a sua sorte?
"Obrigado meu querido, tirei uma foto legal de vc e vou colocá-la numa Galeria de Arte espalhada aí pelo mundo. Sua contribuição foi grande. Vc virou o "indiozinho" sem nome, filho da Funai e de Fulano. Vc ficou famoso. Eu tmb, obrigado. E não esqueça. O mundo inteiro vai ver vc e falar da situação dos seus pares. Eu estou ajudando a melhorar o mundo. Então, me respeite, viu? "
Tentamos ser honestos de verdade uma vez por todas. Chega de conversa barata!
Vamos nos dizer uma vez por todas:
“Eu” estou curioso de saber como vive a outra metade do mundo. “Eu” gosto da adrenalina que essas coisas “perigosas” - entrar numa favela, na Amazonia ou no Afganistão - trazem consigo. No fundo, “ EU” me sinto bem em ver que não estou tão mal na minha vida.... Claro, minha conciência me diz que devo fazer algo para ajudar os outros, pois estou numa situação melhor e gostaria de viver em uma sociedade mais justa, onde todo mundo se dá bem. Isso seria melhor para todos, assim “EU” poderia sair fotografando pelas ruas sem medo de ser assaltada. “EU” poderia pensar em coisas mais leves que não essas problemáticas sociais que atrapalham a todos. “EU” poderia fotografar o pôr-do-sol e as belezas de Ipanema sem que o mundo pensasse que “EU” sou superficial....
E aí todos a por-se questões “filosóficas”, a se perguntar porque e por como...
© Francesca Nocivelli. Beira Mar, Fortaleza
Quando eu entro na favela e fotografo seus moradores, eu, gringa, estrangeira, de olhos azuis, com penteado parecido à Amy Whinehose, sou vista como uma coisa estranha. Não me escondo atrás de uma barba tipo Che ou PT, como gostam muitos fotografos sociais (posso pensar em fazer isso futuramente!), ou tirando meu cabelo num rabo de cavalo que me deixe mais “normal”. Eu sou o que eu sou, as vezes me sinto totalmente “não incluída”, não tenho nenhum problema com isso, até gosto disso, pois isso é meu diferencial. Muitos se perguntam o que eu faço por aí, vários moradores acham que vou vender suas fotos por milhares de euros na Europa, muitos pensam que eu estou só tentando aproveitar ou que eu sou louca mesmo.
Nem eu sei ao bem o que eu faço por aí. Tenho sentimentos contraditórios, de ódio - amor, tenho um trabalho que me deixa louca mas que, quando menos estou esperando, me faz muito feliz. Tenho problemas de comunicação, pois a gíria da Comunidade é complicada, mas ao mesmo tempo a linguagem sem palabras - as dos sentimentos - é inesperadamente mais verdadeira.
Quais as diferencias entre a nossa visão e a deles?
Uma outra questão que surgiu no debate do Ripper foi a diferência entre:
1) a sua própria visão, fotográfo que entra num mundo alheio - fotos de denúncias às autoridades, ao poder público, à miséria;
© Ripper, trabalho escravo
2) a visão das mídias - a favela vista somente como fonte de violência, de tráfico, de conflitos;
© BahiaPress
3) a dos integrantes do projeto “Escola de Fotografia da Maré”- fotos que mostram um dia-a-dia normal, a alegria dos moradores do morro, a vida cotidiana como em qualquer outro lugar.
© Renato Diniz - Imagensdopovo
E aí todos a por-se questões “filosóficas”, a se perguntar porque e por como...
Olhando em nossos próprios albúns de família o que nos vemos? Fotos de aniversários, casamentos, festas, reuniões famíliares.... Será que de nossa vida nos fotografamos cotidianamente doenças, mortes, violência (apesar de ter uma escola nisso chefeada por Nan Goldim, Larry Clarck e Alberto Garcia-Alexis)?
Se nosso filho cai e devemos levá-lo urgentemente no pronto soccorro pois quebrou a perna... será que paramos para pegar uma foto-lembrança ou vamos correndo no hospital? E daí, o que esperamos dos integrantes dessa família que é a “favela?” Que eles fotografem todas as merdas, ou que eles tentem se lembrar, como todos nós, das coisas bonitas da vida?
Depois dos arte-educadores e dos "incluidores" visuais, chega hoje no mercado um novo modelo: o educomunicador (palavras dificil de pronunciar!), armado de cellular-camâra digital-vídeo, que estreita parcerias com as lan-houses locais e dá aula de artes multimídias para os “meninos da favela”. Estamos assistindo a uma proliferação intensa de cursos nas Comunidades ditas carentes, projetos que visam “mostrar que lidar com a imagem - seja analógica ou digital, profissional ou amadora - tornou-se algo universal” (Vida & Arte, O Povo, 05/04/2009). Dos adolescentes entrevistados não tem um que já não postou fotografias e vídeo na Orkut ou no Flicker.
Aí de nós!!!
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